sexta-feira, 29 de julho de 2011

Schopenhauer e a educação ou como não agir em uma aula de filosofia, embora não haja regras para como agir

Eis uma foto do Schopenhauer. Dizem que ele parece com o Wolverine.


"Quando observamos a quantidade e a variedade dos estabelecimentos de ensino e de aprendizado, assim como o grande número de alunos e professores, é possível acreditar que a espécie humana dá muita importância à instrução e à verdade. Entretanto, nesse caso, as aparências também enganam. Os professores ensinam para ganhar dinheiro e não se esforçam pela sabedoria, mas pelo crédito que ganham dando a impressão de possui-la. E os alunos não aprendem para ganhar conhecimento e se instruir, mas para poder tagarelar e para ganhar ares de importantes".

É assim que o filósofo alemão Arthur Schopenhauer começa sua série de aforismos sob o título de Sobre a Erudição e os Eruditos, publicada, aqui no Brasil, junto a outras séries de aforismos, no livro A arte de escrever. (Na realidade, todos estes aforismos fazem parte de uma única obra, Parerga e Paralipomena, de 1850). Neste e em outros textos, Schopenhauer critica a cultura da erudição presente não apenas na Alemanha, mas em toda a sociedade burguesa européia da época. Em poucas palavras, esta cultura se baseia na valorização do acúmulo de determinadas informações como bem fundamental para a formação humana. Podemos chamar a formação do erudito de "super conteudista"? Sim, podemos, se compreendermos que uma formação voltada para a ampliação de conteúdos envolve, talvez mais do que hoje, a ampliação, também, das competências e habilidades do indivíduo.

Tentemos compreender esta lógica: se o acúmulo de informações é o bem fundamental, então torna-se necessário capacitar o indivíduo para acumular diversas informações. A formação de um erudito envolvia, então, o aprendizado de muitas línguas. Um erudito alemão seria capaz de ler e falar, além do grego e do latim, mais duas ou três línguas europeias. Se tomarmos os casos excepcionais, encontraremos indivíduos como o erudito e também filósofo Friedrich Schelling, que, com dezessete aninhos, já dominava mais de uma dezena de línguas. Além das línguas, que o permitiriam ler e interpretar textos de diversos registros e de diversas épocas, o erudito também precisaria lidar com tantos outros conteúdos avançados, que iam das mais recentes pesquisas da Matemática à Astronomia, dos mais recentes estudos de História Natural aos da Mineralogia, até questões de Teologia e História. Tudo isso envolvia, sim, o desenvolvimento de uma série de competências e habilidades.

Ora, que mal Schopenhauer vê nisso? Schopenhauer não vê um mal nisso, mas vê vários males que estão envolvidos nisso.



Primeiramente, o problema da formação do erudito não se encontra nos seus conteúdos, mas no fato de que ela é voltada para os conteúdos. Schopenhauer afirma que "em geral, estudantes e estudiosos de todos os tipos e de qualquer idade têm em mira apenas a informação, não a instrução. Sua honra é baseada no fato de terem informações sobre tudo, sobre todas as pedras, ou plantas, ou batalhas, ou experiências, sobre o resumo e o conjunto de todos os livros. Não ocorre a eles que a informação é um mero meio para a instrução, tendo pouco ou nenhum valor por si mesma [...]". Poderíamos concluir, então, que o problema do erudito é que, embora ele saiba muito e profundamente sobre diversos assuntos, ele não sabe exatamente para quê. Para acumular muitas informações, ele desenvolve uma série de competências e habilidades. Contudo, em posse de informações, competências e habilidades, não sabe bem o que fazer com elas. Será?

O segundo mal apontado por Schopenhauer é quase uma resposta ao primeiro. É o próprio filósofo que acusa toda esse cultura da erudição de ser uma espécie de autorreprodução infrutífera de um jogo de interesses, pelo qual seus participantes se enriqueceriam material e espiritualmente. Assim, parece que Schopenhauer visa nos auxiliar a examinar com um pouco mais de atenção as verdadeiras motivações dos participantes deste jogo, não tanto com o objetivo de difamar estes participantes, mas de criticar, efetivamente, o jogo, a validade de seus códigos e regras. Por que um erudito cita trechos da Ilíada em grego? Uma primeira resposta seria "porque sua formação é voltada para a ampliação da informação". A segunda resposta, porém, seria "porque isso aumenta seus ares de importante", ou seja, "porque isso aumenta seu crédito dentro de uma cultura de erudição".  Schopenhauer promove, assim, uma crítica da cultura, baseando-se, sem muito revelar, em alguma noção de como essa cultura deveria ser. (Trata-se, portanto, de uma noção prescritiva - olha a Ética aí).

Como o erudito não sabe para que acumula tantos conhecimentos - com exceção de um correspondente acúmulo de honras e algum dinheiro -, Schopenhauer conclui que esta cultura da erudição, embora estimule a busca de informações, é contrária à busca da instrução e da verdade - e é por isso que, lá no primeiro parágrafo, ele diz que "as aparências enganam". Basta pensarmos um pouco: se a educação é voltada para o acúmulo de conteúdos e se é este acúmulo que é honrado pela cultura em que ela se insere, então a utilidade supra-individual e a verdade do conhecimento são relegados para segundo plano. Isso não significa que os conhecimentos do erudito são falsos, mas que sua verdade ou falsidade não é tão importante quanto a boa impressão que causarão.


Ora, mas que problema Schopenhauer vê nisso tudo? Responder corretamente a esta pergunta envolveria um aprofundamento em sua filosofia, em especial na sua grande obra, O Mundo como Vontade e Representação. Podemos, por ora, dizer apenas o seguinte: Schopenhauer identifica nesta cultura um afastamento da sabedoria. Essa ideia pode ser compreendida a partir da distinção kantiana entre conhecimento histórico e conhecimento racional (Kant foi uma das grandes influências de Schopenhauer). Para Kant, o sujeito pode adquirir conhecimentos historicamente, ou seja, através daquilo que lhe é transmitido através do tempo; ou racionalmente, através da consulta que este sujeito faz à sua própria razão. Há fatos que não podem ser apreendidos senão historicamente. Há outros, porém, que o são indevidamente, já que o sujeito bem poderia fazer uso de sua razão para concluir, por si mesmo, se são verdadeiros ou não. Assim como Schopenhauer, Kant salienta: podemos passar a vida inteira pensando algo verdadeiro, mas sem saber por que é verdadeiro. A sabedoria envolve a prática deste saber por que é verdadeiro e o que é verdade. Schopenhauer identifica naquela cultura exatamente o oposto: uma prática de aquisição histórica do conhecimento, isto é, livresca, dogmática, embora tenha os ares pomposos e sofisticados da intelectualidade.

Ah, professor, mas o que isso tem a ver comigo? 

Acredito que muito, mas, se eu respondesse, seria um pouco contraditório. Basta, por ora, o enunciado brilhante que Antônio Abujamra fez da maravilhosa Clarice Lispector. Numa cultura como a nossa, em que não saber é moralmente condenável, fica o recado:



Um abraço amigo,
Carlos

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