terça-feira, 31 de maio de 2011

Artigo interessante de Bioética - Vivisecção


http://conhecimentopratico.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/29/vivisseccao-mal-necessario-213824-1.asp

Posso mentir e dizer a verdade?


É comum associar sinceridade à verdade. E mentira à inverdade, ou seja, à falsidade. Se lançarmos um olhar filosófico sobre estas duas associações notaremos, porém, como nem a primeira, nem a segunda, são necessárias. A primeira não é necessária porque podemos mentir e dizer algo verdadeiro. A segunda, porque podemos dizer, com sinceridade, algo falso.

Vamos partir de uma frase: "João não gosta de Maria". Se João gosta de Maria, ela é considerada verdadeira. Se João não gosta de Maria, falsa. Contudo, antes de dizermos que a frase é falsa ou verdadeira, devemos compreender a frase. Logo, dizemos que a frase é verdadeira quando 1) compreendemos a frase, ou seja, entendemos o seu sentido e 2) verificamos que a frase enunciada corresponde ou não aos fatos.

Os filósofos se perguntaram e se perguntam o que é uma frase (no vocabulário técnico, uma "proposição"), o que significa "compreender", o que é o sentido de uma frase, o que significa "corresponder aos fatos". Os filósofos pesquisam, inclusive, o que são fatos.

Para os nossos interesses, basta entendermos que uma frase, para ser considerada verdadeira ou falsa, precisa ser compreendida e validada. E que quando dizemos que é verdade que João não gosta de Maria, estamos afirmando, com outras palavras, que a frase "João não gosta de Maria" é verdadeira. É importante observar este ponto: fatos não são verdadeiros ou falsos, já que, aparentemente, empregamos os fatos para saber se uma frase, que descreve um fato, é verdadeira ou falsa.

Em geral, quando uma pessoa é sincera, ela quer dizer a verdade. O problema é que, muitas vezes, embora queiramos dizer a verdade, incorremos no erro e dizemos uma falsidade. Imagine que João e Maria são namorados, se amam e assumiram um compromisso de monogamia. Imagine, também, que João tem um irmão gêmeo, Paulo. Pedro, que não sabe que João tem um irmão gêmeo, vê Paulo beijando na boca de outra menina. Pedro chega a um amigo e diz "João não gosta de Maria". Com efeito, ele chegou a esta conclusão e foi sincero ao comunicá-la, mas não disse uma frase verdadeira. Foi sincero e não disse a verdade. Disse, sim, aquilo que, para ele, parecia ser verdade.




A situação contrária também é possível: podemos mentir e dizer a verdade. Imagine que Pedro já sabe da existência do irmão gêmeo de João, mas, com más intenções, pretende prejudicar João, difamando-o ao afirmar a todos que "João não gosta de Maria". E imagine que João realmente não gosta de Maria. Pronto: Pedro mentiu e disse a verdade.

Em suma, todos nós podemos:
  1. Querer dizer algo que pensamos ser verdadeiro e dizer a verdade (sinceridade + verdade);
  2. Querer dizer algo que pensamos ser verdadeiro e dizer uma falsidade (sinceridade + falsidade);
  3. Querer dizer algo que pensamos ser falso e dizer uma falsidade (mentira + falsidade);
  4. Querer dizer algo que pensamos ser falso e dizer a verdade (mentira + verdade).
A sinceridade é, assim, uma associação que nós fazemos entre nós mesmos (nosso querer dizer) e aquilo que nós dizemos. Quando somos sinceros, temos a intenção de que nosso interlocutor reconheça que queremos dizer aquilo que dizemos. Quando mentimos, também temos a intenção de que ele reconheça que queremos dizer aquilo que dizemos, muito embora pensemos (e não necessariamente saibamos) que o oposto é verdade.


Mas professor, eu estou surtando! Pra que todo esse discurso?
  1. Para não chamarmos de mentirosa uma pessoa que apenas disse algo falso. E para não confundirmos falsidade do sujeito que enuncia uma frase com a falsidade da frase enunciada. Quando chamamos uma pessoa de "falsa", referimo-nos a uma discrepância entre o que a pessoa diz e o que ela quer dizer. Uma pessoa falsa não é necessariamente uma pessoa que diz frases falsas, mas que mente, mesmo se, quando mente, diz a verdade.
  2. Para as turmas de 3a. Série, para aplicarmos nas atividades de nossas próximas aulas. Já pensaram como a comunicação social é comparável com a comunicação interpessoal? Quando um jornal, por exemplo, afirma ter um "compromisso com a verdade", chama para si a responsabilidade de uma pessoa que 1) quer dizer a verdade e 2) diz a verdade. A credibilidade de um meio de comunicação se baseia nesta relação que ele estabelece com seu público, tal qual a credibilidade de uma pessoa junto àqueles que com ela convivem. Para alcançar esse objetivo, é preciso que as pessoas que estão por trás do jornal assumam uma postura, uma conduta; é preciso que elas abracem valores. A Ética começa a entrar no terreno da comunicação social quanto mais compreendemos que a comunicação sempre é produzida, mediada, recebida, interpretada por sujeitos
Por enquanto é isso, pessoal.

Um abraço,
Carlos

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Descritivo ou prescritivo?


Olá, pessoal!

Nas turmas da 3ª Série, discutimos, nesta última semana, as especificidades de uma discussão ética. Houve, em algumas turmas, certa confusão com relação aos exercícios que propus para reconhecermos a dimensão ética. Vamos trabalhar mais sobre isso nas próximas aulas, mas gostaria de publicar aqui um trechinho do livro Iniciação à Filosofia, da professora Marilena Chauí:

"[...] senso moral e consciência moral são inseparáveis da vida cultural, uma vez que esta define para os membros de uma cultura os valores positivos e nagativos que devem respeitar e desejar ou detestar e desprezar".

A autora complementa, perguntando-nos: "Qual a origem da diferença entre juízos de fato e de valor? A diferença entre a natureza e a cultura. A primeira é constituída por estruturas e processos necessários, que existem em si e por si mesmos, independendetemente de nós: a chuva, por exemplo, é um fenômeno meteorológico cujas causas e cujos efeitos não dependem de nós e que apenas podemos contatar e explicar". Lembram-se do nosso exemplo da aula, "Amanhã vai chover"?

Ela prossegue: "por sua vez, a cultura nasce da maneira como os seres humanos interpretam a si mesmos e as suas relações com a natureza, acrescentando-lhes sentidos novos, alterando-a por meio do trabalho e da técnica, dando-lhe significados simbólicos e valores". É o caso, mencionado em uma das aulas, das vacas que, na Índia, são consideradas animais sagrados e não devem ser comidas. Lembram-se dos debates de Bioética? Quando nos perguntamos se devemos ou não comer animais, não nos referimos ao modo como os animais agem, mas ao modo como nós agimos.


Vale acrescentar duas observações ao trecho da professora Chauí:
  1. Nem toda questão que se refira ao modo como nós agimos é ética. Um cientista que pesquisa as reações fisiológicas do corpo humano durante uma corrida pode fazer essa pesquisa baseado em princípios éticos (como, por exemplo, o princípio que defende a ciência como algo benéfico para a sociedade). Contudo, sua perspectiva sobre a ação humana de correr e sobre as reações do corpo é objetivante, ignorando os aspectos culturais da ação e concentrando-se nos naturais.
  2. Há algumas questões que, à primeira vista, parecem não pertencer à dimensão ética. Se as investigamos a fundo, porém, descobrimos seu aspecto ético. Por exemplo: há pessoas que praticam esportes para ficarem fortes. Ficar forte não parece ser uma questão ética. Contudo, por que tais pessoas julgam que devem ficar fortes? Por que agem assim e não de forma oposta? Por trás de sua ação, aparentemente sem maiores pretensões, há um todo de princípios normativos: "devo ir à academia hoje" se baseia em "devo ficar forte"; "devo ficar forte" pode se basear em "devo ficar atraente"; "devo ficar atraente", em "devo realizar meus desejos"; e assim por diante. A discussão ética gira em torno da validade dos princípios fundamentais destas ações e das possíveis contradições que surgem entre um princípio e outro. Por exemplo, a ideia de que "devo realizar meus desejos", à base de querer ficar atraente, pode, em outros contextos, entrar em conflito com a ideia de que "não devo tratar o próximo como um meio, mas como fim".
 Bom, é isso. Para quem quiser dar uma olhada nos slides das duas últimas aulas, eles se encontram aqui.

Um abraço a todos,
Carlos

terça-feira, 17 de maio de 2011

Quem pode pode?

Olá, pessoal!

A passos lentos, mas seguros, mantemos o blog vivo.

Dando continuidade ao tema da Filosofia Política do primeiro bimestre, vamos investigar, nas turmas de 2a. Série, as formas de governo. A palavra "governar" remonta ao grego kybernai, verbo que significava conduzir, dirigir, guiar.

Se traçarmos uma analogia, podemos pensar que, assim como há diversas formas de conduzir um barco, há diversas formas de conduzir o poder; se há diversos contextos de nos quais os barcos são dirigidos (no rio ou no mar; em um passeio ou em uma corrida; de dia ou de noite), também há diversos contextos nos quais o poder é dirigido; se há bons e maus condutores, licenciados ou não para guiar um barco, hábeis ou inábeis para reconhecer contextos, também há bons e maus dirigentes do poder, sejam eles príncipes ou populações inteiras.



Neste bimestre, vamos procurar compreender de que maneiras o poder pode ser organizado, distribuído e administrado; de que maneiras se originam e se transformam tais  formas de governo; e de que maneiras ocorrem as disputas pelo leme do barco, ou seja, as disputas pelo poder.

Mais do que chegar a alguma conclusão definitiva sobre a questão (já que a provisórias chegamos diariamente), vamos tentar relacionar nosso cotidiano com estes modos de governo, assim como a validade de nossos atos de obediência e desobediência diante deles. Como nos permitimos a indignação com a corrupção se, como ressalta Caetano Veloso, "enquanto os homens exercem seus podres poderes, motos e fuscas avançam os sinais vermelhos"? O inconformismo de braços cruzados ou, ainda, o inconformismo corrupto, não seriam, na verdade, formas sofisticadas de conformismo? Não seriam formas de se manter na menoridade por falta de coragem descrita por Kant e que estudamos no primeiro bimestre?


  Até a próxima aula!